Como um movimento de jovens subversivos da Inglaterra criou um dos estilos mais consagrados no mundo das duas rodas, o Cafe Racer
por / Aline Magalhães / fotos / Marcello Garcia / edição de arte / Estúdio Febre
ACE CAFE, LONDRES, final da década de 1950. Na jukebox, o melhor do agressivo rock’n’roll britânico embalava o rolê da clientela: dezenas de jovens que transpiravam toda a rebeldia da época em cima de suas motocas. Foi nesse cenário no subúrbio da capital inglesa que surgiram os cafe racers – corredores de café, literalmente. É que antes de o termo ser usado para descrever um estilo de moto, ele caracterizava um movimento. Mais que um local de encontro, os cafés e pubs da Inglaterra serviam como ponto para a disputa de rachas. Os caras corriam nos arredores do café, fazendo dele a linha de partida e chegada. Não demorou muito pro apelido ganhar força e a rapaziada passou a ser chamada de cafe racer, por quem estava de fora, claro, num tom de certa maneira pejorativo.
Entre as modalidades de rachas, havia uma especialmente mais divertida. Era a chamada record racing. Reza a lenda que os pilotos colocavam uma ficha na jukebox e escolhiam um som. O desafio era ir até uma ponte próxima ao Ace Cafe e voltar antes de a música terminar. Essa disputa definia bem o espiríto da cultura, que unia a paixão pela velocidade e pelas motos, a rebeldia inconsequente e o rock’n’roll.
Não era um movimento para quem tinha grana. A maioria dos caras que colava no rolê fazia parte da classe operária. E como moto era uma coisa relativamente cara na época, o jeito era partir pro do it yourself – faça você mesmo. Os tempos difíceis de guerra e Exército formaram jovens com um sólido conhecimento em mecânica. Eles customizavam as motocas nas próprias garagens. Geralmente os veículos eram made in England, muitos deles feitos pela montadora inglesa Triumph. A regra era deixar a moto o mais acertada possível para encarar as corridas. Nessa brincadeira, caía fora tudo o que fazia peso e era descartável (adeus carenagem, banco da garupa…). A posição de pilotagem ficava mais esportiva. O guidão também era reposicionado, ficando mais baixo para dar maior controle nas curvas, e o motor recebia uma preparação para ficar mais agressivo.
A recompensa pelo trampo de customização vinha nas ruas. Na galera, havia os chamados ton-up boys. Fazia parte desse seleto grupo os que conseguiam alcançar o the ton, uma gíria que identificava quando uma moto batia as 100 milhas por hora, que equivalem a 160 km/h, uma velocidade bem impressionante para a época. Era uma questão de honra atingir o marco. Com essa tocada, óbvio que tomar um rola era frequente e há registros de moleques que perderam a vida cedo sobre duas rodas.
“No Brasil, as primeiras Café Racers surgiram por volta da década de 1970”, conta Rodrigo Thomé, dono da Motorbike Garage, de São Paulo. O ponto de encontro era na Rua Augusta, em São Paulo, reduto da juventude rebelde setentista. Mas por aqui a pegada era um pouco diferente quando comparada com a gringa. Quem tinha moto era “o cara” e, consequentemente, tinha dinheiro também. “As motos tinham um apelo muito mais estético, de exibição, do que de velocidade de fato”, explica Rodrigo.
Na Inglaterra, o movimento propriamente dito foi se enfraquecendo já nos anos 1970. Sobreviveu o estilo, e não só na terra da rainha. Há Café Racers em diversos cantos do mundo. Estados Unidos e Itália são dois exemplos de países que abraçaram a cultura, cada qual com suas próprias referências, particularidades e categorias. Em terras brasileiras, as Cafés deram uma guinada já há alguns anos , pegando carona no embalo desse “culto” ao vintage e ao retrô. “Acho a década de 1960 a mais charmosa em termos de moto e carro. E a moto, as linhas da Café Racer tem esse charme”, pontua Rodrigo, que, além de trabalhar com customização, fez sua própria Café Racer. “Era um sonho antigo. Além de gostar do estilo, sou um ducatista”. Fiz com base na Ducati Monster 695″, explica ele.
A cultura cresceu tanto que abraçou diversos tipos de motos e estilos de customização. Cada um adapta ao seu gosto pessoal, desde motocas com pinturas caríssimas e brilhantes até as enferrujadas e “podrinhas”, ao estilo rat look. Algumas características, claro, devem ser mantidas. “As principais são o guidão e o tanque baixos, o banco monoposto, o visual depenado, com menos carenagem possível e o visual vintage”, diz o customizador.
O modelo da moto também pode ser novo, sem preconceitos. Mas os modelos antigos ajudam a compor melhor o aspecto retrô. Na gringa, as Triumph são bastante usadas na Inglaterra e as Ducati na Itália. Por aqui, uma boa é procurar os clássicos das décadas de 1970 e 1980, como a Honda CBX 750, a clássica 7 Galo. “A linha CB da Honda, no geral, é uma boa opção pra customizar”, afirma o customizador da Motorbike Garage, que também elenca a Yamaha Virago e até a popular Honda CG como boas candidatas a aderirem ao estilo.
Para transformar sua moto em uma Café Racer é preciso desembolsar cerca de R$ 3 mil no mínimo. O valor é o necessário para fazer pequenas modificações, como troca dos bancos e do guidão. Quem quiser ir fundo na brincadeira pode chegar a gastar até R$ 50 mil num projeto, conforme estima a Motorbike. A cifra dá o direito de mexer completamente na moto, incluindo uma pintura de primeira e modificações estruturais. Vale lembrar que, dependendo do tipo de modificação, será preciso também alterar a documentação da motocicleta no Detran.
PROJETO PRONTO
Uma alternativa para quem não tem muita grana à disposição, mas quer ter uma Café Racer na garagem é optar por projetos prontos com motos de baixa cilindrada. É esse filão de mercado que os caras da Chimpa, uma tradicional marca de acessórios, querem alcançar. Em parceria com o ex-piloto de Fórmula 1 e customizador Tarso Marques, eles criaram uma linha de Cafés feitas com base na Honda CG, a moto mais vendida do país e preferência absoluta entre os motoboys. Batizada de Chimpa TMC, é “a primeira motocicleta popular do mercado, de acordo com Tony Marx, da Chimpa. Banco, guidão, escape, farol, rabeta e luzes de freio foram alguns dos itens totalmente modificados na motinha. São três opções de pintura: Gulf, John Player Special e Martini, todas inspiradas em carros clássicos das décadas de 1960 e 1970. Enquanto uma CG normal parte hoje de cerca de R$ 6 mil, essas motos customizadas são tabeladas a partir de R$ 10 mil, na versão com motor de 125 cc, e podem chegar a R$ 16 mil, com motor de 150 cc. Ah, e tudo com possibilidade de pagamento em até 24 parcelas, como gosta de frisar a marca. A expectativa da Chimpa é expandir, ainda neste ano, a customização para motos de motores maiores, de até 300 cc.
Batizada de “Teresa”, essa CB400 1985 é projeto pessoal de Rodrigo. Com a ajuda dos caras da Motorbike, ele está transformando a motoca para presentear o pai. Ela já ganhou novas rodas, bancos, tanque e pintura. Caso fosse um trampo para fora, o valor de um projeto como esse sairia por cerca de R$ 17 mil.
5 COISAS PARA SABER SOBRE AS CAFÉ RACERS
O preço para customizar uma moto no estilo cafe racer varia muito. Pode ir de modestos R$ 3 mil a até R$ 50 mil para uma transformação completa. Isso sem contar o valor da motocicleta
Diversos modelos de motos podem ser adaptados ao estilo. Os mais antigos, das décadas de 1970 e 1980, dão um aspecto ainda mais vintage.
Dependendo do nível de customização da moto, será necessário registrar as alterações no Detran da sua cidade. Fique esperto com os documentos!
Elas não são nem um pouco confortáveis. O ideal é ter uma Café Racer como moto de lazer e outra opção para uso diário.
Dê preferência para oficinas que já fizeram algum projeto anterior de qualidade. Um serviço malfeito pode detonar a estrutura da sua moto.
“DÁ PARA FAZER MUITA COISA EM TERMOS DE CUSTOMIZAÇÃO. MAS O QUE NÃO PODE DEIXAR DE TER É AQUELA CARA DE QUE VOCÊ FEZ A MOTO NA SUA GARAGEM, ESSA É A ESSÊNCIA DA CULTURA”,
conclui Rodrigo.