Por que um grupo cada vez maior de pessoas resolve fazer sua própria cerveja? A resposta: é fácil, bom para o bolso e um alívio para a boca
por / Fel Mendes / Leo Feltran
SEGUNDA-FEIRA, seis da tarde. O pessoal vai chegando à casa de Daniel Carneiro, na Zona Sul de SP. Um traz uma peça de fraldinha, outro vem com gelo e cervejas artesanais, um terceiro se encarrega de vir com garrafas vazias. Isso mesmo, vazias. Elas serão a grande atração da noite que se inicia com amigos se reunindo em volta do fogão para fabricar cerveja em casa.
A cena se repete toda semana. Os caras se organizaram (com planilha e tudo!) para ter 20 litros de cerveja a cada sete dias, tudo com os gastos divididos. Enquanto o malte está no fogo, alguém abre a fabricação de 15 dias atrás. Geladinha, com gás na medida e saborosíssima. Não fica nada atrás das artesanais do mercado. E sai incrivelmente mais barata.
É por isso que a quantidade de cervejeiros caseiros tem aumentado e muito. Com a popularização das artesanais, é natural que o pessoal queira ter uma cerveja pra chamar de sua. E, acredite, é mais fácil do que se imagina. Fora a festa. “Eu vejo que a cerveja caseira é o pôquer dos anos 10. Antes o pessoal se reunia pra jogar. Agora é mais saboroso”, brinca Caio Tavares, um dos integrantes da confraria.
Isso não quer dizer que não seja trabalhoso. Naquela segunda, o pessoal só conseguiu voltar pra casa (depois de dar um belo talento na cozinha), lá por volta de meia noite e meia. Todos com um sorriso no rosto e 20 litros a mais na conta.
TÁ BOM, MAS E AÍ?
A melhor coisa para aprender de uma vez e evitar cometer erros é fazer um curso. A SEXY frequentou a sala de aula da Sinnatrah, a primeira cervejaria-escola do país, em São Paulo. O curso custa R$ 350, dura das 10h às 17h, com parte teórica e prática, apostila e uma justa pausa pra tomar uma fabricação deles. Quem tem pique consegue sair de lá direto pro fogão, já com todos os materiais necessários no porta-malas. Outros lugares também oferecem cursos e o preço é semelhante, é questão de ver o que está disponível perto da sua casa.
Há, porém, quem decida aprender no melhor estilo Indiana Jones. Com Caio Tavares foi assim. “Na época da Copa do Mundo no Brasil eu e um amigo decidimos que íamos aprender e ficamos estudando na internet.” Claro, lá tem tudo o que você precisa, basta paciência e disposição para cometer algumas besteiras, que certamente acontecerão. No final das contas, vale o que disse Pedro Barros, que fabrica as geladas no seu apê desde 2012: “Basicamente, vai sair alguma coisa bebível.”
ARMANDO O CIRCO
Pra fazer no fogão de casa, 20 litros é a quantidade perfeita. Basicamente você precisa de uma panela grande com uma válvula na parte de baixo, um balde com fechamento hermético e espaço razoável na geladeira. Mas isso é pra fazer cerveja do jeito mais roots possível.
As mesmas lojas que vendem insumos também oferecem os equipamentos. É o caso da própria Sinnatrah (sinnatrah.com.br) ou da Lamas Brew Shop (lamasbrewshop.com.br), que é uma espécie de Leroy Merlin do cervejeiro. Na Sinnatrah, um kit com o basicão para 20 litros sai por R$ 515 e o completíssimo vale R$ 2.005. Vai do que seu bolso aguentar. Ou o bolso dos amigos, se a ideia for “reunir os comparsas pra fazer cerveja bebendo as que já estão prontas”. Foi o que fez André Baronian, que, após um curso de sommelier de cerveja, juntou dois amigos pra produzir. “Se você faz uma confraria de amigos, a evolução é muito rápida.”
Se sua pegada é fazer tudo sozinho, sem gastar muito, dá pra ir arrumando seu kit devagar. Tem gente que coloca válvula na panela de feijoada da mãe, adapta um balde, usa espagueteira da avó, descola uma bomba de máquina de lavar louça… “Quem tem habilidade de construir as coisas consegue automatizar o processo”, conta Rodrigo Louro, biólogo e bioquímico que produz cerveja desde 2003, fundou e dá cursos na Sinnatrah.
Agora, ostentação mesmo, só se tiver panela automática. Aí é outro patamar.
[1] A primeira coisa a ser feita é moer o malte. é preciso ter cuidado para não moer demais o grão.
[2] O ponto certo é aquele em que o grão não vira pó, o que piora o sabor da sua cerveja.
[3] O passo seguinte é misturar o malte moído à água e aquecer a mistura a 70ºC para fazer o mosto.
[4] Essa espécie de chá passa por uma filtragem para eliminar os resíduos de grão.
[5] Essa espécie de chá passa por uma filtragem para eliminar os resíduos de grão.
[6] O mosto é transferido para outra panela, onde será fervido por uma hora. Depois de atingida a temperatura, é hora de adicionar o lúpulo, que geralmente vem em palets.
[7] É a levedura que fermenta o líquido e transforma toda a mistura em cerveja. “Ela é o melhor amigo do homem; não o cachorro”, brinca Rodrigo Louro, sócio da cervejaria e Escola Sinnatrah.
[8] Todo o trabalho da levedura acontece dentro do balde de fermentação, que deve ser mantido por sete dias em local seco, com pouca luz e temperatura ambiente.
[9] Depois de fermentado, o balde passa por um processo de maturação, em geladeira, que leva 15 dias. No final, o líquido ali é cerveja, só que sem gás.
[10] Para criar gás, na garrafa, é preciso acrescentar um pouco de açúcar (7g/1l) na bebida antes de engarrafá-la. Fica pronta em sete dias.
PANELA OSTENTAÇÃO
Durante o processo você precisa ficar o tempo todo administrando. Isso significa ficar sete horas de babá da sua breja em desenvolvimento. É uma função e, aliás, é um dos grandes baratos da coisa. Mas dá pra deixar o processo mais automático com uma panela elétrica. Pra se ter uma ideia da economia de tempo e trampo: “A cozinha fica igualzinha antes em 5 horas”, conta Pedro que tem o que se pode chamar de Mercedes Benz das panelas, a alemã Braumeister, de 20 litros.
Na revendedora oficial do Brasil, a MCA Equipamentos, o preço de uma é R$ 11.500. A mesma panela do outro lado do Atlântico sai por algo em torno de 1.500 euros. Mas o melhor do Brasil é o brasileiro e a boa notícia é que já tem uns projetos paralelos à venda na internê. “Se você buscar online, tem uns ‘Professor Pardal’, vendendo projetos de panela automatizada feita no Brasil.”
BOCA E BOLSO FELIZES
O papo de grana te deu azia? Calma. Uma matemática simples basta pra perceber que o investimento pode ser bom pro seu paladar e pra sua carteira. O custo de um litro de cerveja feita em casa, segundo Alessandro Morais, cervejeiro caseiro há mais de 10 anos e um dos fundadores do Lamas Bier: “Varia entre R$ 3 e R$ 6 por litro”. Se você estimar que o litro de uma artesanal razoável seja R$ 30, fica “só” 10 vezes mais barato. Nas contas de Pedro, fica fácil sentir o drama: “Se fosse o mesmo preço, eu comprava. Já fiz 300 litros de cerveja e gastei uns R$ 1.500. Se tivesse comprado esses 300 litros, teria gastado uns R$ 9.000”.
EQUILIBRA AÍ!
O grande lance de fazer cerveja em casa é fazer com o ingrediente que você quiser. Na última brassagem feita na casa de Daniel, os caras abriram uma estilo Porter que tinha menta e cacau e, claro, estava boa. Então saiba: dá pra ousar, mas é importante ter um pouco de tempo de voo.
Uma ajuda importante para saber quais caminhos seguir é o guia de estilos da BJCP (Beer Judge Certification Program), que está disponível no site bjcp.org. Eles dizem o nível de álcool, a coloração e o amargor de cada tipo de cerveja. “O ideal, no começo, é se guiar pelos estilos. Isso diminui a frustação, porque a mistura de ingredientes é harmônica”, conta Rodrigo Louro. Sabendo o que você pretende fabricar, a saída é encontrar receitas já testadas.
Antes de mexer na receita, uma boa é recorrer a um app, que ajuda a se fazer algo equilibrado.
A BÍBLIA DO CERVEJEIRO
Existe uma infinidade de livros sobre cerveja caseira, mas Marcos Caio Vicentin, presidente da Acerva Paulista (Associação dos Cervejeiros Artesanais Paulistas) dá a dica certeira: “Existe um livro feito pelo John Palmer que é a Bíblia do cervejeiro e está de graça na internet”. Pois é, a primeira edição do How to Brew está online no howtobrew.com em inglês. Pra quem preferir, a edição traduzida colaborativamente para o português também circula online. Quem prefere aprender conversando com os experientes pode dar um pulo no excelente fórum homebrewtalk.com.br
FAZENDO GRANA
Se você está nessa pra fazer fortuna, pode ser uma boa repensar. Ou estabelecer bem um modelo de negócio. Não é tão fácil vender suas produções sem a autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. É claro, cervejarias piratas existem e tá cheio de gente vendendo uma garrafa ou outra pro sogro do cunhado, mas pode dar ruim. “A multa é de até R$ 100 mil”, conta Alessandro.
A saída mais utilizada para se manter dentro dos limites da lei é alugar um espaço de alguma cervejaria que já tenha a autorização. É o que se chama Cervejaria Cigana. Há quem prefira abrir um Brewpub, que permite que o fabricante venda sua produção sem engarrafá-la. Mas até chegar aí, muita águ… ops, cerveja vai rolar.
CERVEJAPP
BeerSmith (beersmith.com)_ 28 dólares É o queridinho da maioria. Fácil de operar e disponível pra computadores, IOS e Android, calcula e armazena as receitas, tem controle de inventário e gera lista de compras.
BeerTools (beertools.com)_ 25 dólares Disponível só para computadores e IOS, também calcula e armazena receitas. Ele ainda permite que os usuários do sistema troquem receitas.