O submundo é rosa

O universo das modelos ficha rosa movimenta muita grana, envolve famosos e é bem mais comum do que a ficção apresenta

por / Bianca Castanho

HÁ TRÊS ANOS
a modelo Maiara R. trabalhava na feira de marketing promocional Brazil Promotion. Com 1,70 de altura, longos cabelos castanhos e curvas bem desenhadas, seu expediente de 4 a 6 horas em um stand lhe renderia algo em torno de 150 reais. Sorridente e usando o uniforme da marca – uma calça legging e uma camiseta -, ela simplesmente tinha que apresentar o produto quando alguém se aproximava, emprestando toda sua beleza à marca. Até que um homem se aproximou e pediu um cartão. “Era um cara que eu vi que já tinha falado com os donos do stand. Eu disse que estava sem cartão… Com o uniforme, nem o celular ficava comigo. Aí ele disse que o que queria saber talvez eu não colocasse no cartão mesmo.” Ele foi direto. Perguntou se Maiara fazia ficha rosa. Novata, sem saber muito bem do que se tratava, mas com uma pulga atrás da orelha, ela respondeu que não. Mas assim que chegou em casa, pesquisou o termo. “Quando descobri, joguei fora o cartão que o cara tinha me dado.”

O submundo é rosa - Matéria - Revista Sexy

Para algumas pessoas que assistem à novela safadinha da Globo, Verdades Secretas, histórias como essa podem parecer só coisa de televisão. A verdade é que isso é muito, mas muito mais comum do que se imagina, gira uma grana alta e já deu estrelato para muita gente. Meninos e meninas. Não é incomum que modelos que ficam nos stands recebam propostas altas para sair com um dos engravatados, ou que garotas de campanhas publicitárias chamem atenção de um cliente que esteja disposto a pagar o que for para passar uma noite – ou um fim de semana – com elas. Ou que algum famoso seja gentilmente apresentado para uma modelo que toparia “conhecê-lo melhor”. Bastam algumas conversas “em off” para ouvir histórias que, se fossem publicadas aqui, a gente provavelmente teria que fechar a revista para pagar o processo. Gente de alto reconhecimento no mercado, falando: “Como você acha que os dois se conheceram?”. Só que, embora o famoso “somos discretos” funcione para algumas agências renomadas no mercado, a engrenagem como um todo não se preocupa muito com ser discreta. Nem tem muita paciência. Assim que completou 18 anos, a modelo comercial Carla*, que trabalha no ramo da moda fazendo fotos e publicidade desde os 8 anos, ouviu de sua agente se ela não topava entrar para o time das “ficha rosa”. “Muitas vezes, elas vão apenas acompanhar o executivo ou quem quer que seja. Eu optei por não fazer, mas ela me garantiu que o homem não me trataria como uma puta, não falaria de dinheiro e nem ia tentar me levar pro motel se isso não houvesse sido combinado antes”, conta. Para Carolina P., que tem 19 anos e é modelo comercial há apenas 8 meses, o que não falta são propostas. Principalmente via Facebook. “É dinheiro fácil, uma vida luxuosa. Em uma recepção normal, a gente recebe até 250 reais, mas para um evento ficha rosa, é algo em torno de 3 a 5 mil reais por encontro”, explica.

Assim que a novela tirou a poeira debaixo do tapete, muita gente saiu correndo para defender o meio das perguntas indiscretas dos jornalistas. Isso existe de verdade? “Claro que não, isso é óbvio. Novela é uma obra de ficção. Pode falar o que quiser, mas em nenhuma agência séria de modelo existe isso. Eu nunca ouvi que alguma agência teria ficha rosa. Modelo séria não vai sair com o cliente e nenhum cliente vai contratar uma prostituta para representar a marca dele”, comenta Eli Hadid, dono da agência Mega Model, que atua há quase 35 anos no mercado. Para a booker Angel*, no entanto, que trabalha há 29 anos no mercado, já cuidou da carreira de uma top model famosa e é dona de uma agência renomada, essa prática existe, sim, mas não vem de dentro das agências. Segundo ela, o grande problema para as modelos são os promoters de balada que querem encher camarotes de garotas bonitas e disponíveis. “Nesses anos todos, vi a maioria das meninas se perderem porque nunca viram o luxo, e quando viram, não largaram mais. Nós adiantamos aluguel, book, apartamento para as meninas que vêm de toda parte do Brasil. E em um quarto de beliche com 15 garotas, sempre tem uma que conhece um amigo promoter que garante a entrada delas nas baladas. Elas vão para restaurantes, comem de graça, não pagam nada na balada e vão para camarotes que nem sabem de quem é. Nessa, encontram um cara que dá casa, dá presente? ou seja, tudo o que a agência ‘dá’, mas sem cobrar nada. A menina vai pagar esses adiantamentos com os trabalhos”, explica. E por trabalhos você pode entender sexo.

O submundo é rosa - Matéria - Revista Sexy

MEU MUNDO COR-DE-ROSA
Paolla Rosa é agenciadora da agência Ficha Rosa Club e não tem problema em falar abertamente sobre isso. Ela conta que algumas meninas nem cobram valores altos dos clientes (algo em torno de 400 reais), de tanto que recebem “presentinhos”, como viagens para o exterior, finais de semana em lugares requintados, carros, apartamentos… Para Angel, muitas dessas meninas vêm de famílias pobres, e os valores dos cachês deslumbram até mesmo os pais das garotas, que incentivam as filhas a entrar no esquema. “Quem leva são os promoters e as mães até, que sem querer induzem as meninas a procurar um cara rico.” O valor dos cachês realmente chega a ser algo impressionante: em um Salão do Automóvel, por exemplo, Maíra F., que trabalha há dois anos e meio como modelo ficha rosa, explica que a modelo ficha branca, aquela que não faz programa, recebe em torno de 250 a 400 reais; enquanto a ficha rosa gira em torno de 1.500 a 5 mil reais, já com a garantia da saída. Para os agenciadores, a fatia do bolo varia de 10% a 50% da grana. O valor, claro, pode aumentar. Tudo depende do cliente, do tempo da saída e da fama de cada menina. No mundo das celebridades, existem boatos de diversas famosas que ainda fazem ou fizeram ficha rosa em algum momento da carreira. O sigilo, no entanto, é absurdo. “De meninas que foram capas de revista e fazem ficha rosa eu conheço, no mínimo, 40”, diz Paolla. O cachê dessas modelos pode variar de 15 a 50 mil reais. Entre os nomes que Angel garante está o de duas apresentadoras famosas, uma delas intimamente ligada ao público infantil.

Maíra F.* conta que começou fazendo eventos comuns. “Eu fazia stands de Salão do Automóvel, Salão Duas Rodas, eventos fechados da BMW”. Com perfil no instagram com mais de 450 mil seguidores, conhecido na internet, ela conta como funciona o mercado. “Existem dois books nas agências. Um book é das modelos ficha rosa que o pessoal da agência pode mostrar para o empresário. E ele seleciona quem quer no evento e que esteja disponível para sair depois.” Com o perfil de assistente de palco, Maíra conta que o cachê mais alto que recebeu foi de 6 mil reais por 3 horas com o cara, mas que isso pode variar. “Quando a menina é mais conhecida, ela pode cobrar mais.” A fama, claro, é uma forma de se valorizar no mercado. E é comum que trabalhos mais concorridos na mídia deem uma certa… “preferência” para essas modelos. “Quando fiz 20 anos, troquei de agência e fiz muitos testes, inclusive um da Malhação, mas não passei. Quanto mais elitizado, mais propostas você recebe. Testes do sofá não são mentira”, conta Carla, que não é ficha rosa.

O submundo é rosa - Matéria - Revista Sexy

NUDES POR LIKES
Mesmo sendo um submundo dentro da indústria da moda, existem alguns fatores comuns entre esses dois universos. O principal é a maneira rigorosa com que as meninas são selecionadas. “Nem todas as meninas conseguem ser ficha rosa – muitas querem, mas não têm o perfil. A ficha rosa é a menina de passarela, magra, linda, ou a encorpada estilo assistente de palco”, explica Paolla. Há seis anos no mercado de agenciamento, ela conta que existe uma diferença entre a garota de programa e a ficha rosa. “A prostituta trabalha em boates, vai para a rua, fecha trabalhos por 200, 300 reais. A ficha rosa, pelo menos com as que eu trabalho, ganham no mínimo uns 1.000 reais”.

Ter o perfil, no entanto, é só o primeiro passo. Se estiver disposta, a modelo precisa responder a um questionário picante e enviar fotos para avaliação. “Depilação normal, cavada ou raspada?”; “Faz sexo oral sem camisinha até o fim?”; “Gosta de fazer sexo anal e goza fazendo?”; “Transa sem camisinha se o cliente estiver com os exames em dia?”; “Topa sair com outras mulheres para beijar de língua e chupar outra vagina?” são algumas das mais de 15 perguntas do questionário. As fotos requisitadas são de rosto, corpo, nua e com close nas partes íntimas, para que o agenciador possa mostrar para o cliente até mesmo como são os lábios genitais de cada uma.

A MODELO FICHA BRANCA RECEBE DE 250 A 400 REAIS. A FICHA ROSA, EM TORNO DE 1500 A 5 MIL.

Apesar de ser uma atividade que ninguém se preocupa muito em esconder – uma simples busca no Facebook revela vários perfis de eventos e agenciadores ficha rosa -, conhecer alguma dessas pessoas cara a cara ou meninas que façam esse tipo de trabalho é bem complicado. P.E. é uma agenciadora que trabalha em uma agência de modelos, mas faz do recrutamento um “trabalho paralelo”. “Na agência, ninguém sabe que dou essa ‘força’ para as meninas.”, conta. O canal que ela usa para falar com as meninas é o Facebook. A maioria desses profissionais cria contas fakes e tudo é tratado online, desde o anúncio de um trabalho até a contratação da modelo. Claro, todo esse cuidado é porque se trata de um crime. “Dá (cadeia) pra mim, sim, mas se a menina for menor de idade. Eu não agencio menores… Mas daria cadeia mesmo assim, por aliciamento de meninas”, confessa P.E. “Algumas procuram isso para o glamour, tirar onda com os ricaços, andar de iate, fazer viagens, comprar apartamentos, mas a maioria me procura para sustento mesmo, alguma coisa grave na família, doenças. Faço o bem; penso assim”, explica.

O “bem”, no caso, pode levar de 2 a 5 anos de cadeia por induzir ou facilitar a exploração sexual e de 2 a 6 anos por aliciamento de pessoas. Segundo a Constituição, a prostituição em si não é crime, mas a exploração – ou, no caso, cafetinagem – sim. As meninas que oferecem seus serviços de garota de programa, seja de luxo ou não, não correm o risco de ir parar atrás das grades. É por isso que a atividade de ficha rosa raramente leva alguém para a cadeia: as modelos são vítimas; os agenciadores desconhecidos. E é fato: o mercado da ficha rosa está embaixo da asa de um grande poderoso, o mercado da moda. E o que acontece nos bastidores é ainda mais obscuro do que mostra a televisão ou do que se pode falar impunemente. Vinícius Aguiar, dono da agência VA Models, explica. “O mercado da moda é o segundo que mais emprega no mundo. É enorme, e sempre tem as podridões, o oportunismo. Não sou contra quem faz ficha rosa, eu apenas preservo a imagem da minha agência.” Assim como todo mundo.

* Os nomes são fictícios para preservar a identidade dos entrevistados.