Jogos de guerra

Conheça o Airsoft, jogo que simula situações de combate e veio para angariar fanáticos e destronar os games.

por / Juliano Coelho / fotos / Leo Cavallini / edição de arte / Estúdio Febre

QUEM NUNCA FICOU morrendo de vontade de bancar o Chuck Norris nos campos de paintball nos anos 1990? A disputa entre vários amigos divididos por times disparando bolinhas de tinta – que, se pegassem na pele, machucavam bastante – é uma deliciosa nostalgia pra muitos. No paintball, a roupa usada era mequetrefe, as armas vinham com aquele ridículo reservatório de bolinhas em forma de garrafa pet, e a marca de tinta era espalhafatosa. Todas essas características tiravam uma boa parte do realismo da atividade e ficava difícil entrar de cabeça no personagem do militar ou guerrilheiro. O propósito sempre foi a zoeira e quem queria levar a brincadeira com um pouco mais de seriedade, com táticas de movimentação, objetivos mais complexos e até áreas de jogo maiores e mais realistas (leia-se espaços com menos cara de ferro- velho de bairro e mais aspecto de zona de guerra), geralmente se frustrava.

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Depois, nos anos 2000, os amantes de jogos de tiro encontraram um bom refúgio nos games. Desde Counter Strike até os Battlefield, uma nação de gamers começou a se dedicar à perfeita simulação de uma guerra atual. Mas, claro, um grande “atleta” de Battlefield, com seu sedentarismo, estaria mais perdido em uma situação de guerra real do que o David Luiz contra o ataque alemão no fatídico 7 a 1, que foi pouco.

A intenção do airsoft, que ganhou popularidade nos anos 2010, é, de certa maneira, aliar a vivência e a diversão do paintball ao realismo das simulações dos games de guerra. Os praticantes de airsoft carregam por aí réplicas muito fiéis de armas – pistolas, fuzis, lança-granadas (?!) – utilizadas por exércitos mundo afora. Os projéteis são bolinhas plásticas de 6 a 8 mm de diâmetro, que podem atingir velocidade média de 360 FPS (em torno de 392 km/h).

As “balas” são planejadas para não ferir o oponente – desde que ele esteja com máscara ou óculos protetor, porque pode cegar -, mas, ao mesmo tempo, deixar claro que ele foi atingido. Mas não se iluda: se pegar na pele, arde e deixa lá a marca pra contar a história, como nosso fotógrafo Leo Cavallini pôde comprovar mais de uma dezena de vezes ao fazer as fotos que ilustram essa matéria.

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JOÃO PAULO NOGUEIRA E SEU TRAJE DA FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA

As armas têm funcionamento absolutamente diferente das armas de fogo comuns e, obrigatoriamente pela lei brasileira (e de qualquer país com sanidade), devem ter uma ponta laranja, que as diferencia. Elas podem ter funcionamento elétrico (Airsoft Electric Guns ou AEGs), a gás (Gas Blow Back ou GBBs) ou a pressão mecânica, que são as conhecidas como Spring. As primeiras, as AEGs, são as favoritas nos campos de batalha, porque são mais leves, comportam mais bolinhas e são as mais fáceis de encontrar. Os praticantes, uma vez viciados no jogo, não poupam recursos para chegar aos campos bem armados: “A minha arma, a Amoeba AM-013, avulsa, custa R$ 3,5 mil e eu ainda acoplei depois um lança-granadas”, diz Carlos Lima, publicitário e entusiasta do esporte. Já o fuzil tipo M4, favorito da galera por ter bom custo-benefício e fácil reposição de peças, sai por no mínimo R$ 3 mil.

A roupa também é uma preocupação séria: esqueça aquele moletom da Pakalolo de 15 anos atrás com o qual você ia ao paintball porque “podia sujar”. Quem pratica airsoft chama a roupa de “loadout” e usa colete, malhas camufladas, coturno e máscara, sem contar cantil ou até um camelback (aquela mochila com reservatório de água que tem um pequeno cano plástico de fácil acesso).

Há ainda outro tipo de praticante que leva tão a sério o airsoft que, em vez de apenas priorizar uma indumentária equipada, tem uma preocupação histórica evidente: “Eu uso uma roupa idêntica à da Força Expedicionária Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial. Eu participo de encontros de airsoft normais com minha arma, que também é uma réplica, mas estou mais ansioso pelo Primeiro Encontro Brasileiro de Airsoft com temática da Segunda Guerra, que acontecerá ainda este ano em Guaporé (RS)”, diz o piloto de avião João Paulo Nogueira, de 27 anos.

UM DIA EM CAMPO DE AIRSOFT

No Brasil, a febre está ainda em um relativo começo se comparado com EUA, Europa e Japão, por exemplo (se você digitar “airsoft” no YouTube vai ver até tanque de guerra e minas terrestres soltando bolinha pra tudo que é lado), mas fica claro que é um fenômeno nacional e quem começa muitas vezes não deixa de ir a, ao menos, um encontro de airsoft por semana.

As missões também são criadas de forma minuciosa. Quer ver? Em um domingo, às 10 h da manhã, em um campo de airsoft próximo da rodovia Castelo Branco, na cidade Araçariguama, SP, Alexandre Cardenuto, 48 anos, dá aos 120 participantes as coordenadas da missão: “A equipe amarela será a Colômbia e a equipe vermelha será o Brasil. A equipe amarela é a residente e terá que evitar que a equipe vermelha tenha acesso a duas caixas que espalhamos pelo campo. A equipe vermelha só poderá desarmar as bombas das caixas depois de encontrar os ?especialistas?, que também estarão pelo campo se escondendo. Não adianta tentar desarmar as bombas sem eles. A equipe amarela terá que defender as caixas, mas também não pode encostar nelas, senão é ponto para a equipe vermelha. A missão começa quando vocês ouvirem os sinalizadores. As regras são as de sempre: tomou um tiro, morreu, volta prorespawn (área pré-demarcada para onde os “mortos” vão antes de poder voltar ao jogo) e pode regressar à missão prontamente”.

Depois de passar as missões, Alexandre pega o carro e vai, com a equipe da SEXY e os “especialistas” – dois jogadores mais experientes, que seriam perseguidos por ambas as equipes -, mostrar o campo e deixá-los em esconderijos. Com uma áreade mais de 250 mil metros, o campo utilizado pela Attack (grupo de airsoft comandado por Alexandre) está situado nas ruínas de uma antiga fábrica, com muita área verde em volta, perfeita para combate a céu aberto, com armas que precisam de longo alcance. Quem prefere combates indoor, com troca de tiro mais intensa e próxima, pode procurar os campos de airsoft estilo CQB (Close Quarter Battle).

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HIGHLANDER É A MÃE!

Tudo muito bom, mas e essa história de “morrer” sem que o tiro deixe marcas de tinta e sem machucar? Pois é. Uma cena muito comum no jogo de airsoft é ver algum praticante logo gritar “morto!” e sair, desconsolado, com um pano vermelho na cabeça, a caminho do respawn.

É muito importante para que haja um bom jogo de airsoft que os atiradores saibam morrer, sem fingir que não tomaram tiro: “A gente chama esse tipo de praticante de highlander. Eu não esquento, se dou um tiro, vi que pegou e o cara não morreu, vou e dou outro, se não morreu de novo, sei que é iniciante ou highlander. Se ele insistir, certamente outro jogador vai perceber que o cara não morre e ele, naturalmente, vai deixar de ser bem-vindo. Normalmente o pessoal respeita”, diz Allan S. de Castro, 31 anos, que é professor de artes marciais.

Uma amostragem desse “respeito” apareceu quando, ao acompanhar uma batalha entre a equipe amarela e a vermelha, podia-se ver que, sorrateiramente, seis soldados vermelhos se aproximavam da base amarela e se esconderam no sopé de um pequeno morro. Era uma operação arriscada e silenciosa vista de camarote pela equipe da SEXY. Um dos vermelhos atingiu um soldado amarelo, que, ao caminhar para o respawn, viu os soldados vermelhos infiltrados e não caguetou ninguém. Apenas virou-se para o repórter da SEXY e disse em voz baixa: “Que vontade de avisar os outros…”. E seguiu seu caminho.

Pra quem vê de fora, fica claro que o airsoft encontrou um delicado equilíbrio entre o realismo e a diversão. As bolinhas, ao atingir um adversário, não dizem mais do que “se fosse de verdade, você não estaria vivo”. De resto, fica fácil se sentir em uma guerra real.

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ONDE PRATICAR E COMO COMEÇAR NO AIRSOFT

A grande ferramenta de pesquisa para começar no airsoft é o Facebook. Todos os grupos, campos ou times têm sua Fan Page e a prática está tão difundida que há pelo menos um em todas as capitais do Brasil, sem contar outros grandes centros.

O iniciante pode, antes de se armar dos pés à cabeça e tentar entrar num time, procurar um campo de airsoft próximo e se embrenhar numa pequena missão com outros jogadores mais experientes. Aos poucos, é fácil ir se enturmando.

O equipamento mínimo necessário é uma máscara com proteção para os olhos – não se entra em um campo de airsoft sem uma -, uma roupa razoavelmente robusta – mas evite o tal moletom da Pakalolo – e uma pistola de pressão, que seja.

Alguns campos também têm aluguel de equipamento e uma lojinha. Você certamente vai morrer muito, mas vai sentir um pouco da adrenalina do jogo. A hora, na maioria dos campos, custa por volta de R$ 40 a R$ 60 por pessoa.