Super-heróis, Deuses gregos, Guerreiros e… Mulheres?

Videogames são eficientes em empoderar o jogador com personagens viris. Mas e quando a protagonista é feminina?

por / Tiago Mota

EMPODERAMENTO ECOLÓGICO. Não, esta coluna não vai tratar de sustentabilidade. Na verdade, embora não pareça, esse é um conceito do game design introduzido por Jonas Linderoth: um cara de cabelo longo e loiro, barba de respeito, gordinho, PhD em pedagogia que dá aulas sobre jogos na Universidade de Gothenburg. E isso tem tudo a ver com a dificuldade em criar representações femininas nos nossos joguinhos.

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DESTRINCHANDO…

Estamos acostumados a associar o termo “ecologia” com a preocupação com o meio ambiente, mas a palavra tem um sentido mais amplo. Por “ecológico” se diz sobre como um conjunto de elementos de um mesmo ambiente interagem entre si, propiciando uma forma de equilíbrio. Isso tem tudo a ver com a natureza, mas pode falar sobre outras coisas, como, por exemplo, videogames.

Na cabeça do game designer, também deve haver uma ecologia nos ambientes virtuais de um jogo. Se você joga um game que considere bom e agradável, é porque todos os seus elementos – itens, níveis, fases, medidores, inimigos, combates, poderes, etc. – estão em equilíbrio, criando uma experiência fluida na direção daquilo que o designer propõe.

E onde entra o empoderamento nisso? Em 99,99% dos jogos os quais você já usufruiu, esses elementos em equilíbrio dos games têm, por função, dar ao jogador poderes para superar desafios. Pense, por exemplo, em qualquer jogo da franquia Zelda: você entra em um templo e logo descobre que não consegue completá-lo sem determinada habilidade; então você o explora e encontra algo que permita abrir uma porta ou derrotar um chefão. O ambiente do jogo propôs um desafio a você e logo lhe deu algum poder para superá-lo. Isso é empoderamento ecológico em game design.

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EU TENHO A FORÇA!

VAMOS COMPLICAR: na maioria das vezes você é um He-Man enquanto joga. Seu avatar é um carinha qualquer até que o jogo forneça, pelos poderes de Grayskull, algum elemento para lhe dar a força. Mas isso cria uma barreira intransponível para os jogos enquanto contadores de história. Eles quase sempre privilegiam narrativas em que há um mal, um inimigo a ser superado, derrotado ou morto por meio desse poder, de uma arma ou algo do tipo.

No fim dos anos 1990, uma euforia causada pelos games levou estudiosos a crer que esse meio imersivo seria o mais fértil campo para obras-primas narrativas. Décadas se passaram e os jogos eletrônicos ainda não produziram um Ulisses, um Dom Quixote ou um Fausto. Por quê? Linderoth acredita ser a questão do empoderamento ecológico o principal motivo.

Jogos são feitos de regras e mecânicas. É o que baliza todas as escolhas narrativas de um game. Se o modo como o jogo opera é todo voltado para o empoderamento, ele não consegue contar outra história que não seja esta do He-Man.

Por isso narrativas de heróis e de guerra servem como uma luva aos games, e por isso eles têm dificuldade de contar histórias que não envolvam poderes ou batalhas. A figura do guerreiro prodigioso é constante, o único capaz de derrotar o Esqueleto em tretas épicas. E nós sabemos que o guerreiro é, na nossa cultura, um símbolo predominantemente masculino.

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GRAÇAS A TRAJES COMO ESTE, A CAPCOM FOI ACUSADA DE HIPERSEXUALIAZAR A PERSONAGEM BRASILEIRA LAURA.

E AS MULHERES COM ISSO?

VAMOS COMPLICAR mais um pouco. São muitas as polêmicas que envolvem a representação de mulheres em jogos. Uma das recentes foi com Street Fighter V e a hipersexualização da personagem Laura. Existem vários caminhos para discutir a questão, e entender o empoderamento ecológico é apenas um deles, mirando diretamente o game design.

Quando há a opção de dar esse posto do protagonista guerreiro para uma mulher, dá-se um nó nas cabecinhas. O machismo está aqui: é difícil para um game designer homem imaginar uma personagem forte, guerreira e mulher. Como que para compensar essas suas características atribuídas à masculinidade, as personagens acabam se tornando femme fatales sensuais, perigosas – e pouco representativas.

Neste caso, há um prazer fetichista em relação à personagem. A mulher guerreira dos games, como a Bayonetta, recebe poderes, mas se presta a agradar ao olhar masculino de quem joga – é a mesma intenção, guardadas as proporções, dos filmes pornôs. Porque a imagem de uma mulher forte é ameaçadora para o macho, ao menos que ela se torne objeto de desejo. Exemplo disso está nos RPGs: reparem como as armaduras para meninas de World of Warcraft são curtas e decotadas. Como isso protegeria alguém numa batalha?!

Elas conseguirão um dia também ser empoderadas de verdade? A Lara Croft mais recente é um exemplo: abandonou os shortinhos, abraçou uma versão menos fetichista e ofereceu uma imagem feminina robusta em um ambiente masculino. Mas reparem como toda a nova mecânica de Tomb Raider (2013) gira em torno de produzir uma tensão a partir da vulnerabilidade da protagonista. Para criar uma Lara menos sexualizada, o design abriu mão daquelas “super” habilidades que ela detinha em versões anteriores. É como se só mesmo homens pudessem ter poderes – ou as femme fatales. Que merda, não?

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EMBORA SEJA UMA PERSONAGEM FORTE, BAYONETTA, DA NINTENDO, TAMBÉM NÃO CONSEGUE FUGIR DA SINA DE SER UMA FEMME FATALE.