Viajante de guerrilha

Esqueça aquela desculpa de que para viajar precisa de dinheiro e hotéis caros. É Hora de mergulhar no lado roots da viagem de guerrilha.

por / Bianca Castanho / edição de arte / Estúdio Febre / ilustração / Cauê Gottardi

ENTÃO VOCÊ VAI VIAJAR. Resolveu dar um tempo naqueles seus outros projetos que não iam pra frente e vai colocar o pé na estrada. Excelente escolha, campeão! Separou as malas, documento, reserva no hotel e guardou aquela grana? Agora se prepara que vou te contar um segredo: você não vai precisar de tudo isso. Com o dólar a R$ 3,72 e a crise chutando nossa porta, é possível – e até recomendado, para sua saúde financeira – fazer mais com menos. E isso não é nenhum tipo de sacrifício. Pois então pare com essa bobeira de que para viajar só sendo rico ou patrocinado: seja bem-vindo ao projeto Viagem de Guerrilha – Ou Como Descobri Que Consigo Viajar Muito Com Pouco.

Viajante de guerrilha - Matéria - Revista Sexy

A primeira coisa que você tem que saber é que ser um viajante de guerrilha é diferente de ser um turista de camisa florida. “Claro que é legal viajar com dinheiro, pegar hotel, comprar um negócio, mas são coisas diferentes”, conta o fotógrafo Leonardo Maceira, que, aos 24 anos, resolveu viajar pelo Brasil sem nenhum dinheiro. É isso mesmo: o cara caiu no pó da estrada com a cara e a coragem. Foi aí que surgiu o projeto Os Lugares de Cada Um. “As pessoas me perguntavam como eu ia pegar carona, onde ia comer, onde ia dormir, e eu não sabia como responder ainda porque nunca tinha feito isso. Precisava descobrir, viajar sem dinheiro não foi opcional. Eu realmente não tinha”, conta.

MAIS CARONA, MENOS PASSAGEM.

Os maiores gastos de quem resolve conhecer outros lugares são passagens e hospedagem. Pegar um avião é bem mais cômodo, mas, quando você for colocar as contas no papel, pode ser a diferença entre ter grana para comer aquele almoço maneiro ou ter que se contentar com uma barrinha de cereal.

No melhor estilo Na Natureza Selvagem, em que o viajante Alexander Supertramp larga tudo e resolve se embrenhar na floresta do Alasca. Leonardo partiu do princípio de que esse tipo de viagem já tinha sido feito – logo, não era impossível. “Gastei 150 reais para fazer uns cartões de visita, mas acho que foi só isso”. Saindo de Curitiba, o fotógrafo uniu a cara de pau com a vontade de rodar o mundo realizando um projeto fotográfico e se locomoveu do jeito mais simples de um lugar para o outro: de carona.

Se ir voando é imprescindível, também há macetes para economizar: acessar o site das empresas aéreas entre meia-noite e cinco da manhã pode ser uma boa para encontrar passagens que no horário comercial ficam bem mais caras. Se possível, procure comprá-las com antecedência e para períodos fora de temporada também, pois, quanto mais perto da data, mais cara ela fica. “Uma dica muito boa é usar a aba invisível do Google Chrome – os cookies de pesquisa não ficam registrados. Muitas vezes, você entra em um site para ver o preço de passagem, e quando entra de novo está mais caro por causa da pesquisa”, indica Ligia Antoniazzi, que ao lado do noivo criou o site Vamos Fugir (vamosfugir.com.br), onde conta suas histórias e dá dicas para viajantes. Seu primeiro mochilão foi em 2013, e passou por Bolívia, Chile e Peru. Procurar em diferentes buscadores e em sites que comparam os preços pode ser a solução em vez de ver um site só. E esqueça as agências – elas indicam pacotes que, muitas vezes, saem mais baratos se os serviços forem independentes. Se você tem bastante tempo, alguma paciência e for trafegar em território nacional, pode pegar uma caroninha amiga com os aviões da FAB (Força Aérea Brasileira). É só entrar no site da FAB, ver quais os lugares que os aviões partirão em missão nos próximos dias, fazer cadastro no Correio Aéreo Nacional (CAN) de onde você vai embarcar, esperar surgir uma vaga e ser chamado (o que pode demorar mais do que você imagina).

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MEU HOSTEL, MINHA VIDA

Chegando ao destino, o viajante de guerrilha precisa de duas coisas essenciais: dormir em algum lugar e comer alguma coisa. O resto é lucro. Para a primeira opção, esqueça hotéis de qualquer estrela e foque nas inúmeras alternativas muito mais baratas. Além dos hostels e albergues, que são sucesso para os viajantes econômicos, existem sites que facilitam essa interação entre viajantes e hospedeiros. O Airbnb (airbnb.com.br), onde você aluga a casa ou o quarto de alguém por um tempo, e o Couchsurfing (couchsurfing.com), onde você consegue achar um sofazinho grátis para dormir em qualquer lugar do mundo, são os mais famosos e procurados.

Você também pode desbravar o mundo vendendo sua força de trabalho para garantir estadia. É o caso do que rola no site Worldpackers (worldpackers.com), em que você troca estadia por trabalho dentro de hostels e hotéis; no WWOOF International e WWOOF Brasil (wwoofinternational.org), você viaja para trabalhar em fazendas orgânicas e tem contato com projetos de permacultura, agricultura sustentável e bioconstrução em troca de teto e comida. Falando em trabalhos com a natureza, ecovilas também são lugares que aceitam trabalho em troca de comida e hospedagem, e existem muitas no Brasil e na América do Sul. No site EcoAldeas AbyaYala (ecoaldeasabyayala.blogspot.com.br), é possível encontrar um guia das ecovilas espalhadas pela região e como entrar em contato com cada uma.

Normalmente, quando você se hospeda com anfitriões, eles têm o costume de oferecer comida. “As pessoas dizem para você se sentir à vontade e sempre oferecem uma refeição. Claro que não vou comer tudo que a pessoa tem na casa, mas nunca passo fome”, conta Leonardo. Nesse tipo de viagem, a alimentação não é o foco principal – morrer de fome você não vai, mas provavelmente não vai comer tudo o que quiser na hora que bem entender. “Já aconteceu de eu estar sentado perto de um posto e um cara entrou, saiu e me deu uma comida que ele tinha comprado. Existem muitas pessoas boas por aí”, completa.

E, claro, sempre tem o papo de que “quem tem boca vai a Roma”. Então deixe a vergonha de lado, coloque seu melhor sorriso no rosto e se prepare para contar sua história para donos de restaurantes ou estabelecimentos. Muitos lugares dão comida para viajantes, principalmente depois das 15h, que é o horário de menor movimento. Ande sempre com uma garrafa de água vazia e encha de água filtrada quando tiver oportunidade – seja em hostels, hotéis, filtros públicos ou restaurantes. Uma dica legal é você comprar aquelas pastilhas purificadoras de água, que vêm com 30 drágeas e cada uma filtra cerca de 1 litro de água em 30 minutos. Evite comer nos points turísticos das cidades. Se você andar um pouquinho, consegue encontrar restaurantes que os nativos frequentam e que costumam ser bem mais baratos. Se nada disso der certo, é só partir para o bom e velho freeganismo: procurar comida em lixeiras de supermercados e feiras livres pode resultar em uma ótima surpresa, como refeições inteiras e alimentos com qualidade excelente que só foram para o lixo por estarem “feinhos”.

ORGANIZANDO A CONCHA DO CARACOL

Beleza, agora você já sabe como ir, onde ficar e o que comer. Uma das maiores confusões, no entanto, começa antes mesmo de a viagem rolar: o que você vai levar na mochila? “Procure levar coisas que combinam entre si e que tenham a ver com o lugar que você vai. Nós fomos para o Deserto do Atacama que, apesar de ser muito quente durante o dia, é frio à noite, então precisávamos estar prevenidos”, conta Ligia.

Tenha em mente que você pode tanto conseguir carona, quanto ter que andar longas distâncias a pé. Então uma mochila leve (sem aquele agasalho pesado que você acha que pode usar se esfriar numa viagem para a América Central) é melhor para a sua coluna. “Levei umas oito camisetas, um moletom, uma bota, um chinelo, itens de higiene e minha câmera. Eu não soltava minha mochila de jeito nenhum, porque minha vida estava ali”, narra Leonardo. Apesar de não ter barraca, ele diz que agora está indo atrás de uma, pois aumentam as possibilidades de ter onde dormir. Ligia sugere levar uma toalha pequena e não se esquecer do papel higiênico. “Muitas vezes você para em posto de gasolina ou albergues que não têm, então é necessário já estar preparado!” Se você vai para lugares frios, deixe para comprar blusas e roupas específicas de frio por lá – quem melhor para saber os tipos de tecido contra a friaca do que quem convive com ela?

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PLANO A, B e C

O planejamento, óbvio, é a parte mais importante da empreitada viajeira. Você tem que saber para onde e por que quer ir, senão nada disso faz sentido. “É preciso um bom planejamento antes de colocar os pés na estrada para saber qual o melhor território e clima para viajar, qual o equipamento correto e quanto de dinheiro você consegue poupar em cada país”, explica Andira Medeiros, publicitária e dona do site “Sexo, Viagens e Rock’n’Roll”, que está na estrada ao lado de Fábio Mesquita há 500 dias-e contando.

Porém, não precisa ficar bitolado com isso. É importante ter uma noção básica da viagem, mas o mais divertido de tudo isso é deixar ela guiar você. “Eu gosto de não ter hora. Se estiver em um lugar e chover, continuo no dia seguinte, sem problemas. Não tem essa obrigação com data”, diz Leonardo. Uma dica importante para você ficar tranquilo durante sua aventura é fazer o seguro viagem. Pode parecer um gasto desnecessário, mas nunca se sabe o que pode acontecer caso precise interromper sua viagem.

FALADOR PASSA BEM

A viagem do guerrilheiro é, sem exagero, algo que pode mudar sua vida. O viajante de guerrilha não está viajando com o tio chato ou com aquele cunhado que faz piadinhas sem graça e acaba com o humor de todo mundo. A viagem, programada por você e para você, tem o objetivo de te fazer crescer, mesmo que sua intenção seja só conhecer uns lugares diferentes. Viajar sozinho, com pouco ou nenhum dinheiro, com o mundo carregado nas costas, vai te obrigar a ter lábia e saber conversar com quem cruzar seu caminho. Todos os viajantes indicam que você converse com o pessoal local das cidades. Além de darem as melhores dicas, conhecer pessoas diferentes faz com que você tenha contato com mundos diferentes. “Independentemente do rótulo e da nacionalidade, qualquer pessoa que decide viajar o mundo precisa ter força de vontade, coragem e, acima de tudo, respeito pelas diferentes culturas, costumes e religiões”, explica Andira.

Pelo boca a boca, Leonardo conseguiu lugares para passar a noite, e seu projeto NuMondo, em que fotografa garotas nuas por onde passa, explodiu de inscrições. “Em dois meses, fiz uns 30 ensaios. E só divulgando no Instagram, a galera vai se falando, é um projeto muito legal.”

Para tornar sua viagem ainda mais produtiva – e, por que não, descolar uma grana -, vale a pena investir em algum projeto como fez esse pessoal: fotos, blogs, vídeos; a interatividade com o público pode definir outros rumos para sua viagem. “As pessoas comentam no meu Facebook, oferecem estadia”, confirma Leonardo.

Você não precisa dar a volta ao mundo, sair do país ou do seu estado para fazer uma viagem de guerrilha. Se ainda não está convencido ou tem medo de se jogar no mundão, tente conhecer os arredores da sua cidade. Pegar um trem, visitar praias e interagir com pessoas diferentes já pode te dar outra perspectiva e mudar sua visão. Quem sabe, a partir daí, você não resolve conhecer tudo o que as culturas diferentes podem oferecer e se tornar, oficialmente, um guerrilheiro de viagens.

BAIXE ANTES DE SAIR DE CASA

MOVA MAIS
O aplicativo Mova Mais, criado em 2013, promete trocar os exercícios físicos que você faz por brindes interessantes para os viajantes. Basta baixar um dos aplicativos vinculados – o Strava, RunKeeper ou MapMyRun – e os exercícios realizados acumulam pontos, que podem ser transformados em milhas de avião ou hospedagem em hotel.>

KAYAK
O Kayak meio que junta tudo o que você pode precisar na viagem em um só: hotéis, hostels, aluguel de carro, voos, companhias de táxi e serviços desse estilo. Também indica as variações de preços e lugares onde a taxa está mais em conta. É perfeito para você se organizar sem se perder.

ALLSUBWAY HD
O transporte público é uma excelente opção para conhecer as cidades como um nativo. Para não se perder por aí, o Allsubway HD reúne as linhas de metrô de 137 cidades do mundo, além de disponibilizar a opção offline, já que dentro do metrô o sinal é fraco.

SITORSQUAT
Banheiros públicos podem ser uma surpresa, e dificilmente estamos falando de uma boa. O SitOrSquat é ótimo principalmente para o público feminino, pois mostra quais são os banheiros públicos da redondeza e como está a limpeza do lugar. Seu banco de dados guarda mais de 100 mil banheiros públicos pelo mundo.