Renata Falzoni

por / Fel Mendes e Juliano Coelho / fotos / Alexia Santi

RENATA, VOCÊ TEM HABILITAÇÃO?
Tenho, claro. Sabe qual era meu apelido há uns 23 anos? Renata Fittipaldi. Eu tinha um Fusca e não tenho orgulho do que vou te dizer: morava na frente do Palácio do Governo (no bairro do Morumbi, em SP) e chegava em seis minutos e meio no Mackenzie (10 km no total). Era 1972. Mas, em 1976, dei meu carro pro meu irmão e comecei a andar só de bicicleta. Tenho carro pra interurbano.Tenho um sítio em Jundiaí e tenho seis cachorros, quatro vão comigo pro sítio. Meu irmão diz que é um canil ambulante. Meu carro é de 2003 e o pessoal fica falando: “Troca o carro”. Pra quê? É um Doblô e tem o motor bom. Boto cachorro, caiaque… posso colocar cinco bicicletas dentro.

Renata Falzoni - Matéria - Revista Sexy

POR QUE VOCÊ TOMOU ESSA DECISÃO DE LARGAR O CARRO EM 1976?
Eu chegava em seis minutos e meio no Mackenzie e achava um horror voltar em 45 minutos. Achava impossível perder tanto tempo no carro. Depois fui morar na Vila Madalena e comecei a ir de bicicleta pro Mackenzie porque tinha outro agravante: não tinha onde estacionar. Você chegava cedo pra ter onde parar… comecei a questionar essa escravidão.

DEVE SER DIFÍCIL ARGUMENTAR COM VOCÊ CONTRA O USO URBANO DE BIKE…
Vou ser sincera, se eu tô com saco, eu encaro a discussão. Se não, caio fora. Há um período anterior dessa gestão da cidade em que nós não incomodávamos, éramos café com leite. Fui candidata a vereadora quando o Serra foi candidato a prefeito contra o Pitta, em 1996. Participei de todas as reuniões de discussão do plano de governo (do Serra). Quando o plano saiu, a palavra “bicicleta” não entrou. Era “legal, bacana, vem aí, você traz voto…”, mas era fake. Quando o negócio começou a ser levado a sério, incomodou. Hoje há uma partidarização do tema. Se a pessoa estiver argumentando contra é porque ela é contra o PT, não tem como você demovê-la. Até tem, mas você tem que estar bem de espírito. E nem sempre eu tô.

CICLOVIA NÃO É MAIS CAFÉ COM LEITE?
Mais ou menos. A mobilidade de bicicleta está inserida na Secretaria do Transporte e isso é uma diferença. Mas o pedestre e o ciclista ainda vão aonde dá e, quando tem algum conflito, não vão. Aplaudo tudo o que foi feito, não poderia ser feito melhor. Não adianta dizer que houve falta de planejamento. Isso tá mascarando uma realidade: culturalmente, a cidade não poderia receber o bem planejado, o certo e o transformador. Ia todo mundo ser demitido e enforcado em praça pública. Porque o que tem que ser feito é, de fato, tirar o espaço do carro e resgatar a cidade com preferência para as pessoas. Isso ainda não está em cogitação. Então, qualquer prefeito que fizer campanha falando que as ciclovias foram malfeitas, pra fazer melhor, terá de ter colhão – coisa que eu duvido que tenha – de tirar de fato o privilégio do carro e dos motoristas.

SUA MILITÂNCIA JÁ TE RENDEU UMAS FECHADAS NA RUA?
Sabe que não? Existe uma condescendência ou pela minha idade, ou pela antiguidade. Mas agressividade não por ser Renata, mas por ser ciclista, sim. Em especial quando começaram as ciclovias do Haddad. Eu estava com o Haddad, na Zona Leste, onde estava sendo inaugurado um trecho de ciclovia num canteiro central e passa uma pessoa no carro, não percebe que é o prefeito, e grita: “Vai trabalhar, seus vagabundos!”, e joga o carro em cima. Porra, o prefeito ficou com os olhos arregalados. Desde então, praticamente todas as vezes em que a gente se encontra, ele pergunta: “Melhorou o tratamento com vocês nas ruas?”. Ele ficou impressionado.

E VOCÊ PRETENDE VOLTAR À POLÍTICA?
Não. A política é assim: você tem que se relacionar. E, se você não usa camisinha, você se contamina. Eu não sinto tesão de dar pra um cara que não fala a minha língua, entendeu? E, quanto mais velha eu fico, menos saco eu tenho pra isso. Antes de falar mal de um político, eu fico vendo o enorme sapo que o cara tem que engolir pra negociar dentro de um ambiente cada vez mais inegociável. É chantagem dali e chantagem daqui. Ao ceder pra uma chantagem, toda uma carreira que você criou vai por água abaixo. Espero que pessoas mais jovens estejam dispostas, porque eu não estou. Na campanha que fiz, ninguém estava me levando a sério. Aí fizeram uma pesquisa e meu nome estava entre os 100 mais votados. Aí o Serra veio falar comigo e me deu mais tempo na campanha. Me lembro de estar em um desses comitês e veio um vereador e disse, dando tapinhas no meu rosto: “Renata, se você for eleita, vai ter que se enquadrar, viu?”. Desse jeito! No cantinho! Eu era, falando bom português, cabaça de tudo.

LEMBRA QUEM FOI A FIGURA QUE FEZ ISSO? NÃO QUER FALAR QUEM É?
(Risos) Claro que lembro! O cara era bem mafioso e foi reeleito. Enfim… E por que eu entrei pro PSDB naquela época? Olha só: tínhamos Montoro vivo, Covas vivo. Eu fui candidata porque tinha cota feminina: não precisei puxar saco de ninguém. Eles tinham que escolher alguém, então escolheram mulheres que já tinham um tipo de notoriedade. Mas fui antes para o PV e aí encontrei o atual presidente do partido, o Peninha, e, argh, arrepiou. Foi assim: “Põe seu nome aí e, se sobrar na legenda, você entra”. Eu falei: “Tá bom, Peninha. Vou pra outro partidão”. Naquela eleição eu tive mais voto que ele! Se houve motivo pra eu não me aproximar do PV, foi uma falta de sintonia que senti no primeiro olhar que troquei com quem veio a ser presidente do partido. Não senti nada verde naquilo (risos). Talvez o verde dos dólares. Dois telefonemas depois com o pessoal do Montoro, me filiei ao PSDB. Mas não teria ido pra nenhum outro na época. PMDB nem a pau, com o Fleury vivo…

E O PT?
Não. Já tinha saído do PT. PT nem fodendo. Eu explico. Em 1981 eu estava lá, participei da fundação do PT. Eu me doava, mesmo. Aí, em 1985, demos margem para a eleição do Jânio em SP. Porque se dividiu a esquerda. A disputa era entre Suplicy, FHC e o Jânio. Eu fiquei colérica, porque eu dizia que a gente tinha de apoiar o Fernando Henrique. Então, já tava mal. Nos embates, eu ouvia: “Renata sapatão. O mundo morre de fome e você só fala em bicicleta. Nós queremos luxo pra todos, carro pra todos”. Ouvi isso numa reunião da galera. Primeiro, podia ser gay – por acaso não sou -, mas você vê como é que é rótulo. Falei: “Vocês são rotuladores, não têm nem ideia do que é ter carro pra todo mundo, pedalo mesmo e vão tomar no cu”. Saí do PT por falta de agenda verde e exagero de rótulos. Infelizmente essa turma da esquerda é mais rotuladora do que a do centro-direita. Nunca mais votei no PT.

VOCÊ NÃO VOTOU NO HADDAD?
Não! E o Haddad sabe disso. E sabe o que eu falo pra turma do PT até hoje? Que a pior coisa que o PT fez comigo, pessoalmente… Assim, coletivamente, pro Brasil, tem um caminhão de coisas que a gente pode falar. Mas comigo, pessoalmente, foi eu olhar a cara do Aécio e dar confirma na urna. Aff…

VOCÊ FALOU QUE ERA BOÊMIA…
Pra cacete. Comecei a pedalar de noite já em 1976. Ia pra faculdade, trabalhar e depois ficava pedalando, fechando os bares. Eu não bebo, mas sempre tive amigos boêmios. Eu era aquela que jogava o cara dentro do carro e o levava pra casa e eventualmente passava a noite lá. Bem come quieta mesmo, sabe (risos)? Aí mais pessoas começaram a pedalar e criou-se o NightBikers, em 1988, 89… Foi um grande legado que deixei pra cidade, essa enorme quantidade de grupos que andam de bicicleta à noite. Agora uma coisa mudou muito na noite paulistana, não sei se foi a violência, mas antes era mais pra fora. Hoje os melhores lugares são fechados, têm brutamontes na porta. Eu ficava naqueles puteiros pela madrugada, entrava, saía, jogava a bicicleta pro leão de chácara, que já me conhecia.

NA AUGUSTA?
Ah, tudo (risos). A cidade era linda. Eu era convidada como aquela que dava pra conversar. Me convidavam pras coisas mais malucas, sem função de ter que dar pra ninguém. Eu tive passe livre em grandes lugares, numa época em que essa classe social de artistas e pessoas com grana era mais aberta. Eu frequentava muito o Gallery (famosa casa noturna dos anos 1980), porque fui fotógrafa da Playboy por muitos anos.

VOCÊ SÓBRIA CONSEGUIA VER E FOTOGRAFAR COISAS BEM SURREAIS, NÉ?
Sim. Antigamente a Playboy tinha aquela seção “Click” no final, né? Eu tenho, por exemplo, uma foto do Chico Buarque nu dentro de um vestiário. Uma foto só.

O CHICO NÃO DEVE TER FICADO FELIZ…
É, até fiz uma exposição no Sindicato dos Jornalistas chamada Bastidores, com um elenco de fotos muito interessantes. Tudo a ver com a noite paulistana da época. Era mais inocente, mais roots mesmo. Quando foi sair na exposição, o Chico veio e: “Pô, tira a foto”, e eu falei: “Manda um poema que eu ponho no lugar”. Claro que ele mandou tirar, né?

VOCÊ NÃO É GAY, MAS EXISTE UM RÓTULO. COMO LIDA COM ISSO?
Eu não lido. Eu cago e ando. O que é engraçado é que todos os meus amigos homens mais próximos já tiveram cenas de ter que defender minha honra (risos). Alheio à minha vontade! Não posso descrever porque são cenas constrangedoras. Um amigo meu disse: “Saí em sua defesa porque uns caras falaram que conhecem sua namorada”. Aí, pela descrição, eu falei: “Claro, é minha filha (risos)!”. Uma coisa curiosa é que, hoje, a questão de gênero existe muito nos grupos de cicloativismo. E, como aprendo com os mais jovens, vejo os questionamentos deles e me pergunto: “Que tipo de opção sexual é a minha?”. Porque eu sou visivelmente uma pessoa com uma atitude muito masculina e a minha opção sexual sempre foi heterossexual – e não foi por repressão, não. Eu realmente não tenho tesão em mulher e tenho um puta tesão em homem. E aí o quanto isso não chega a ser homossexual por causa da minha masculinidade? Cagar e andar para os estigmas que giram em torno da minha sexualidade é a minha militância. Agora eu, na intimidade, alopro muito a – entre mil aspas, hein? – hombridade. Quando estou entre os homens solto uns comentários que cutucam. E por ser mulher eu posso. Um exemplo que é uma brincadeira: eu chego pro cara e digo: “Algumas vantagens as mulheres têm. Uma é poder chorar em público, outra é poder assumir que dar o cu é bom”. Porque você sabe muito bem que, entre os homens, a relação anal não significa que o camarada vai ser gay ou não vai ser gay. Se você tem prazer com a penetração anal… tem muito homem que tem prazer com isso! Bom, se você me perguntar o que eu acho do homem brasileiro hoje…

O QUE VOCÊ ACHA DO HOMEM BRASILEIRO HOJE?
Uma pessoa muito infantilizada, especialmente pela publicidade. E pior: ele mais se infantiliza quanto mais velho fica. E isso é uma tristeza. Eu, se fosse homem, criaria um Facebook execrando a maneira como vocês homens são tratados pela publicidade de cerveja. A publicidade no Brasil ofende a mulher e trata o homem como um estúpido.

QUANTO MAIS VELHO, PIOR?
Ou o cara é solteiro e está caçando e sendo caçado por jovens. Não consegue se sentir gente se arranjar uma mulher mais velha. Eu não estou generalizando, estou dizendo que uma grande maioria é assim. Se está casado, está gordo, balofo, descuidado, filho de uma mulher que tá de saco cheio dele. E ainda não acompanhando o que os mais jovens têm de bom pra passar. Essa molecada de 20, 25… saiu uma safra interessante daí, sabe? Um cara de 40 anos hoje, se não prestar atenção pra onde ele vai, vai estar bem desamparado.

E PRA ACHAR UM PARCEIRO AMOROSO?
Tá difícil, cara. Nossa, não rola. Quer dizer, até rola, vai… Mas tudo em sociedade com esposas que talvez não saibam (risos).

SOCIEDADE ANÔNIMA (RISOS)…
Não é legal isso. Vamos pensar qual seria o parceiro ideal: que, de fato, prefira bicicleta ou transporte público. Goste de ler, de cinema, de teatro, de música boa. Que não fique perguntando onde eu estive e com quem eu estive e que também não precise me responder nada. Eu não chifro ninguém, mas não quero perder meu tempo com isso. É muito difícil. Ah, e que não tenha 20 anos. Que tenha “fifty over” (cinquenta ou mais), porque, embora eu tenha fama, não sou papa criancinha, não. É porque eu ando muito com moleque. Outra, é difícil achar um homem nos seus 60 que esteja bem. O homem brasileiro tá baleado, cara.

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BEBIDA DA VEZ_
Renata dispensou as mais de 20 opções de chopes artesanais da Choperia São Paulo, mas elogiou mais de uma vez o bolinho de rabada.

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