Voando Alto

De brinquedo de criança até uma maneira de testar os princípios aerodinâmicos de uma aeronave de verdade: os aviões de papel são muito mais importantes do que você pensa.

por / Bianca Castanho

TAPAS. EMPURRÕES. GRITARIA E MUVUCA. Com uma simples frase, Silvio Santos consegue fazer com que a mulherada quase comece uma guerra nas cadeiras de plástico do auditório. “Quem quer dinheirooooo?!”, berra o homem do baú, antes de soltar suas pequenas e destruidoras bombas. Disfarçadas em notas de 20, 50 e 100, quem poderia adivinhar que aviões de papel – no caso, de dinheiro – seriam capazes de causar tanto furdúncio? Bom, Silvião poderia. E não foi à toa que pediu para o técnico de cenários Seu Assis uma maneira de distribuir a grana sem que fosse em maços gordos de nota. Pronto: cerca de 150 aviões são feitos semanalmente – estimados em singelos R$ 10 mil reais mensais – e disparados para quem quiser ou conseguir pegar. Os aviõezinhos mais famosos do Brasil provam pra gente que esse lance de papel voador pode ser muito mais que brincadeira de criança.

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PRIMEIRA DOBRA
Avião de papel é tipo história em quadrinhos de super-herói: quem gostava quando criança acha o negócio o máximo, mas quem está por fora pode pensar que é uma verdadeira perda de tempo até que BUM, volta a chamar atenção. Foi assim com o Capitão América, foi assim com os aviões de papel. Segundo a professora de mandarim Yin Qiao, do Instituto Confúcio da UNESP, a técnica de Jian Zhi, ou corte de papel, surgiu mais ou menos ao mesmo tempo que a criação do papel de arroz, ou seja, coisa feita lá no século II. Papel vai, dobra vem, a técnica deu uma espalhada pela Ásia até surgirem registros de origamis lá em 1700, em terras japonesas. A diferença é que os origamis consistem apenas em dobrar papel – mas tem que ter um mínimo de noção, né. “Qualquer um pode fazer, mas é preciso de uma alfabetização com as dobras antes de se arriscar em coisas mais elaboradas”, explica Mari Kanegae, professora de origami da Aliança Cultural Brasil-Japão.

Confeccionar essas pequenas esculturas voadoras não tem a ver apenas com diversão: tem gente que leva isso bem a sério a ponto de usar o avião de papel como protótipo para uma aeronave de verdade. “Os aviões de papel possuem muitos conceitos que são aplicados na engenharia aeronáutica: se dobrados de maneira correta, com uma asa capaz de gerar boa força de sustentação, conseguem voar muito bem. Esse é o primeiro passo de sucesso para a construção de um avião: as medidas devem ser precisas e proporcionais”, explica o engenheiro aeroespacial da Embraer, Thiago Defendi. A própria Paper Aircraft Association (PAA), um grupo inglês que reúne entusiastas de avião de papel, já falava da importância aerodinâmica das dobraduras lá nos anos 1980. A instituição é uma das mais respeitadas nesse universo, e aliás é a responsável por criar as regras de campeonatos e do Livro de Recordes do Guinness para definir os recordes mundiais.

DECOLANDO
Durante a Segunda Guerra Mundial, na Inglaterra, a falta de materiais fez com que o papel se tornasse uma das principais maneiras de produzir brinquedos. Foi aí que a popularidade dos aviõezinhos começou a crescer, e pelo jeito fez com que os ingleses desenvolvessem um apego bizarro por essas esculturas. Esse amor foi tão longe que, em 2014, em um jogo de futebol na Inglaterra, entre o time da casa e o Peru, um inglês maluco resolveu montar um projeto de avião e lançar no gramado. A execução foi tão perfeita que o protótipo sobrevoou toda a arquibancada do Wembley e… TUM atingiu em cheio a cabeça do jogador Riojas, do Peru. Apesar disso, o recorde mundial fica bem longe dali, nos Estados Unidos. O designer de aeronaves John Collins e o atleta Jow Ayoob resolveram trabalhar juntos para atingir a maior distância de voo. Deu certo: um avião feito com uma folha de papel A4 conseguiu chegar a 69.14 metros de distância. Até hoje, esse recorde não foi quebrado.

A cultura por trás desse tipo de artesanato que mistura habilidade manual com princípios da física fez com que marcas investissem nesse produto. A Samsung criou o projeto Space Planes, que soltou 200 aviõezinhos no espaço com cartões de memória que vão cair por aí, em uma estratégia de divulgação. Já a Red Bull, que adora criar uns campeonatos que misturam diversão com tecnologia, criou o maior campeonato de aviões de papel do mundo, o Red Bull Paper Wings.

De 2006 a 2015 já foram quatro edições, das quais o Brasil ganhou duas e ficou entre os finalistas nas duas últimas. Os únicos materiais permitidos são folhas A4, que não podem ser cortadas ou coladas – aqui é só na dobra mesmo – e não podem pesar mais de 100 gramas. São três categorias analisadas: a de maior distância, maior tempo no ar e acrobacias. Além de técnica e performance, a criatividade também conta muito na hora de escolher os vencedores. Se você ainda acha que isso é papo de criança, saiba que os vencedores do campeonato eram engenheiros e crânios da área. E pra que perder tempo com isso? Bem, não sei você, mas o prêmio de 3.500 euros não parece má ideia.

FAÇA SEU AVIÃO
Construir seu próprio avião de papel não é difícil, não; mas algumas dicas podem te ajudar a aperfeiçoá-lo. Mari Kanegae exemplifica. “Para um melhor desempenho, o avião tem que ter uma concentração de peso na frente. Por isso é muito comum que a ponta seja dobrada, assim ele se equilibra melhor”. Além de dobra, tem todo um macete para jogar o avião: de cima para baixo nem pensar! “A tendência é o avião ir para baixo, então se você joga de cima, ele só vai cair. O certo é jogar de baixo para cima”, explica.

Existem vários (vários mesmo) canais do Youtube que ensinam a fazer um avião de papel. Depois de muita pesquisa, descobrimos uma tendência: quanto mais simples, melhor. A velocidade e estabilidade são melhores em aviões que não são cheios de coisa. Se ficou curioso, ensinamos três maneiras diferentes de fazer a dobradura: uma feita pelo canal Manual do Mundo e outra pelo engenheiro João Dreveck, um dos finalistas brasileiros na edição de 2012 do campeonato. Ah, e a dobra do Seu Assis.

MODELO 1:
VOO MAIS ALTO
Pegue uma folha de sufilte A4 e dobre ao meio. Abra a folha, pegue a ponta do lado direito e leve até a dobradura que acabou de fazer. Repita com o outro lado, formando um triângulo. Dobre a base desse triângulo para baixo, levando a ponta para o meio do papel. Vire a folha e, novamente, traga as pontas para o centro, formando outro triângulo. Vire para o outro lado; um quadrado está formado na ponta. Pegue a ponta de baixo do quadrado e leve para cima, formando um triângulo. Traga a ponta de cima para baixo, encostando-a na base desse triângulo pequeno. Ainda nessa região, dois triângulos pequenos terão se formado – pegue a ponta de cima e dobre, sem encostar na base do triângulo. Repita com o outro lado. Dobre a folha ao meio, deixando naquele formato clássico das asas do avião. Depois disso, dobre as asas em uns 2 cm da base, e as pontas das asas também em 2 cm, alinhando as duas asas.

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MODELO 2:
VOO MAIS LONGO
Pegue uma folha de sulfite A4 e dobre ao meio. Abra a folha, pegue a ponta do lado direito e leve até a dobradura que acabou de fazer. Repita com o outro lado. Traga novamente o lado direito para a metade do papel, e repita do outro lado. Dobre a folha ao meio, deixando a parte aberta para cima. Depois, é só dobrar a asa usando a base do avião como referência. É importante ver se as asas estão com a mesma inclinação, pois o que vai ajudar a voar por mais tempo é a simetria das dobras.

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MODELO 3:
AVIÃO DO SILVIO
Quer brincar de ser rico? Então pegue aquela nota de dinheiro e vamos lá! Aqui começa diferente: a gente não dobra ao meio com a folha na vertical. Dobre uma das partes até um pouco antes da metade da nota. Dobre as pontas dessa parte dobrada até formar um triângulo – como o papel é menor, tudo bem se ficar uma parte maior que a outra. Dobre um dos lados até o centro da nota, ligando as ponta ao meio. Repita do outro lado. Dobre ao meio e faça as asas. Finalize com um durex na ponta e jogue pra cima!

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